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Histórias não contadas

  • Universo Mulher
  • 4 de set. de 2019
  • 5 min de leitura

Garotas de programa relatam sua rotina, sonhos e perspectivas


Por Carol Casagrande e Tamires Piccoli


Stefanie conversa com a repórter Carol Casagrande. Ela conta que o dinheiro dos programas é usado para custear estudos da filha - Crédito: Tamires Piccoli

Conhecida como a profissão mais antiga do mundo, a prostituição ainda é tratada como tabu, principalmente em cidades interioranas onde o ofício é visto como uma afronta à moralidade e aos ditos “bons costumes”. O que poucas pessoas sabem é que a troca de sexo por dinheiro sustenta famílias, transforma realidades e assegura futuros.


Fundada em 1973, a boate Cisne Branco é um imóvel que chama a atenção de quem passa pela RS-453, em Garibaldi, na Serra Gaúcha. Com letreiro de led indicando a entrada e um longo muro amarelo com o desenho de um cisne, a propriedade é frequentada por moradores da região metropolitana de Porto Alegre, Vale do Taquari e cidades serranas como Farroupilha e Caxias do Sul. Ao mesmo tempo é evitada pela população local e de cidades vizinhas.


Apesar do aparente envelhecimento da fachada, a boate é um espaço considerado familiar e acolhedor por suas colaboradoras. O local, que também funciona como bar, conta atualmente com 12 mulheres que atuam como profissionais do sexo.


Sentada em um banco de madeira, com o estofado de couro preto, Miah Lombroth, 28 anos, usa uma blusa estilo cropped preta com um decote cavado nos seios, uma saia de couro e uma bota de cano alto. A temperatura naquela noite registrava 8ºC. Com um ar animado, a estudante de Economia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) conta que chegou até a casa noturna por intermédio de uma amiga.


“Nunca planejei trabalhar como prostituta, inclusive já atuei na área, mas como minha renda era baixa, e não estava mais conseguindo me sustentar, acabei aceitando o emprego. Hoje me sinto confortável com a escolha e tenho um salário estável”, relata.


Natural do estado de Rondônia, a profissional que mora na cidade de Santa Maria há dez anos já trabalha na boate desde 2017. Nesse período, afirma que os rendimentos atingem em média R$ 5 mil mensais, valor este que custeia seus gastos e ajuda no sustento da família. Trabalhando de terça a sexta-feira, a profissional conta que atende em média cinco clientes por dia, porém a quantidade varia conforme o período do mês e a sazonalidade.


Com uma vida dupla, a jovem retorna para Santa Maria aos finais de semana para estudar e rever os amigos. “Dificilmente você encontra uma mulher que trabalha como garota de programa na mesma cidade onde mora. A gente se preserva, ainda mais pessoas como eu, que estudam e futuramente pensam em abandonar esse emprego para conseguir algo na área”, revela.


Sem um contrato formal ou qualquer vínculo empregatício, Miah e as demais colaboradoras realizam a contribuição para o Guia da Previdência Social (GPS) de forma autônoma para, assim, garantir benefícios como aposentadoria e auxílio doença.


Com uma estrutura que conta com refeitório, quartos para descanso, banheiros privativos e alimentações, um dos responsáveis pelo local afirmou que a boate está totalmente preparada para suprir as necessidades de até 40 mulheres. “Nosso espaço é pensado para proporcionar bem-estar. Sem as gurias a gente não trabalha e vice-versa. Então tem quarto, tem banheiro, tem tudo o que elas precisam. Na boate temos 33 câmeras de vigilância e seguranças trabalhando. Não é permitida a venda de drogas e, quando isso acontece, nós chamamos a Brigada Militar”, explica.


O proprietário explica que a presença da polícia local inibe o comércio de entorpecentes nas proximidades da boate, garantindo a segurança para os frequentadores e funcionários, segurança essa que é sentida diariamente por quem precisa da casa para se manter.

Quarto disponível para receber as profissionais que trabalham na boate. O espaço conta com capacidade para quarenta mulheres. Crédito: Tamires Piccoli

Stefanie, 30 anos, é uma das mulheres que se sentem tranquilas e protegidas no ambiente. Profissional do sexo há cinco anos, com passagens por cidades como Canela, Lajeado, Tramandaí e Garibaldi, ela conta que já foi agredida por um cliente. Sem seguranças na boate onde trabalhava, o homem trancou a porta do quarto e a empurrou contra uma cama revestida por pedras. Com medo e assustada, ela conta que pulou a janela, sofrendo apenas um pequeno ferimento na perna.


Depois desse episódio deixou a cidade de Tramandaí e partiu para outras casas até chegar no Cisne, onde trabalha há três anos. Com estatura mediana, a mulher de feições delicadas e aparência jovem possui um longo cabelo preto e liso, seios fartos, cintura fina e uma história difícil.


“Na época que comecei a trabalhar no ramo minha filha tinha dois anos. O pai dela, meu ex-marido, não ajudava financeiramente no sustento. Minha família é humilde e eu não podia contar com o auxílio de ninguém. Eu já tinha emprego, mas a renda era baixa. Aceitei trabalhar na boate para aliviar minhas contas”, relembra.


Apesar do início conturbado, com direito a muitas noites de choro, não demorou para Stefanie perceber que o trabalho na casa noturna era suficiente para cobrir as despesas e, ainda, fazer sobrar dinheiro para uma poupança. O rendimento extra foi utilizado para ajudar a família, custear duas graduações incompletas - Gestão Comercial e Logística e, por fim, finalizar o tão sonhado curso de Bombeiro Civil.


Hoje, estabilizada financeiramente e com casa e carro próprio, além de um terreno na praia de Capão da Canoa, a mulher conta que a sua remuneração é usada exclusivamente para garantir um futuro melhor para a filha. A menina, que não sabe da ocupação da mãe, estuda em escola particular, faz curso de inglês e balé. Atividades que, sem o dinheiro dos programas, nunca teria acesso.

Entrada da boate localizada às margens da RS-453 - Crédito: Tamires Piccoli

Stefanie conta que muitos homens buscam sua companhia apenas para conversar, tirar dúvidas pessoais ou, simplesmente, beber uma cerveja. Com uma relação amigável com os frequentadores do Cisne, a mulher declara que nunca recebeu tratamento desrespeitoso ou grosseiro. Pelo contrário, os clientes fazem questão de serem gentis e educados.


Miah também afirma que nunca passou por situação semelhante na casa. Porém, fora dela, o cenário é totalmente diferente. “Já frequentei uma danceteria em Bento Gonçalves onde os rapazes tratavam as mulheres como lixo. Passavam a mão sem consentimento e eram brutos e estúpidos. Depois desse dia tive certeza que de nós, prostitutas, temos mais respeito do que muita mulher”, declara.


A famosa “boate do Tio Ari”, antes conhecida como “boate da Tia Iara”, coleciona outras histórias como essas. O lugar, que é uma herança de família, preza pela seriedade e organização, tornando-se referência na região como uma das casas noturnas mais conceituadas.

Palco central da boate Cisne Branco - Crédito: Tamires Piccoli

As profissionais, por sua vez, ainda convivem com a pressão moral de uma comunidade que não vê com bons olhos o seu estilo de vida. Questionadas a respeito da regulamentação da profissão, ambas demonstram ceticismo. Para quem trabalha no ramo, este é um sonho ofuscado pelos padrões impostos por uma sociedade em que a mulher não deve se expor, e, principalmente, um ambiente que não tem espaço para sua sexualidade.



 
 
 

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