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Feminicídio: A mulher condenada por seu gênero

  • Universo Mulher
  • 20 de nov. de 2019
  • 8 min de leitura

Os altos índices de violência contra mulher no Estado estão cada vez mais alarmantes

Por Carol Casagrande e Henrique Pedersini


O Feminicídio é o assassinato de mulheres pela condição de ser mulher, o termo se refere ao crime de ódio contra mulheres, estimulado pela impunidade e indiferença da sociedade e do estado.


As pessoas acham bonito falar feminicídio quando uma mulher é assassinada, porém não se trata de um termo politicamente correto. No Brasil, o feminicídio tem previsão no art. 121, § 2º, VI, do Código Penal, tratando-se de figura qualificada do homicídio, com penas que variam de 12 a 30 anos de prisão.


A Juíza de Direito da Comarca de Encantado Jacqueline Bérvian se depara quase que diariamente com processos que envolvem violência contra mulher. São desde ameaças e desentendimentos, até assassinatos. Em entrevista ao Universo Mulher, a magistrada defendeu a necessidade de ocorrer a denúncia da parte das vítimas ou por quem presenciar os atos de violência. Apesar de reconhecer que houve muitos avanços para o fim da violência doméstica, Jacqueline acredita que ainda há muito a avançar, para que se diga que as mulheres estão livres de serem vítimas deste tipo de crime.


“A violência contra mulher é um delito extremamente reprovável e solidifica um sistema machista e dominador em que o homem se enxerga como possuidor de todos os direitos, inclusive sobre o corpo e a vida de uma mulher”, salienta.


A mulher vítima de violência foi igualmente submetida a esta cultura machista e, por vezes submete-se a um sistema dominador por fragilidade emocional, financeira ou porque simplesmente não consegue romper com o ciclo de violência a que foi submetida. “A Lei Maria da Penha foi a primeira a garantir proteção imediata e a prever mecanismos de auxílio e combate à violência de gênero. Trata-se de importante legislação que impulsionou a edição de diversas outras leis protetivas para a mulher, bem como deu visibilidade a situações que, até então, sequer constavam das estatísticas”, explica.


Muito mais do que punição, a inibição da violência contra a mulher depende de conscientização da sociedade quanto a igualdade de direitos. O empoderamento feminino, as alterações legislativas, o papel da mídia, tudo contribuiu para que a mulher se fortaleça e possa, cada vez mais, buscar auxílio das instituições públicas quando se vê em situação de violência doméstica. Mas muito ainda precisa ser feito.


“As mulheres, vendo-se protegidas por uma lei, estão cada vez mais cientes e conscientes de seus direitos. Os homens, da mesma forma, foram instados a refletir sobre suas condutas relacionadas ao gênero. Sem dúvida, a Lei Maria da Penha representou um avanço sem precedentes na valorização e proteção da mulher na sociedade brasileira”, conclui.


É verdade que a mulher, ao ser vítima de violência ou estar na eminência de sofrer qualquer tipo de abuso, pode procurar diretamente as autoridades judiciais como uma Delegacia de Polícia (DP) ou o Ministério Público (MP). Entretanto, caso ela encontre dificuldades neste processo, um advogado pode prestar um importante trabalho de orientação e encaminhamento de ações que servem não somente para proteger as vítimas, mas para facilitar procedimentos como divórcio, pensão alimentícia e repartição de bens.


Para o advogado José Felipe Lucca que atua no Vale do Taquari e atende casos de violência contra mulher, são dois procedimentos que devem ser indicados quando as vítimas procuram assessoria jurídica. “A parte inicial é mais voltada à orientação, dicas do que proceder imediatamente e num segundo momento os trabalhos se voltam mais ao judiciário”, explica. (Veja abaixo como é o trabalho dos advogados nestes casos).


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De acordo com o profissional, há punições previstas em lei desde uma ameaça até o feminicídio. As penas variam desde determinação judicial para que o suspeito se afaste da vítima, até condenação de prisão em regime inicial fechado. “As mais comuns são as medidas restritivas, que proíbem a aproximação inclusive dos filhos e de frequentar determinados espaços”, comenta.


Nos casos de lesão corporal a ferramenta que comprova as agressões é o exame corpo de delito, um direito da vítima assim que ela procura auxílio na polícia. A partir da comprovação técnica, obtida então a partir do laudo pericial, o agressor sofre as sanções previstas na legislação. Além da parte criminal, há ainda previsão de processo cível, nas.situações é que o acusado pode ser obrigado a pagar indenizações por questões como: dano moral, calúnia e difamação.


Apesar do aumento significativo no número de registros de ocorrência e propagação da importância da Lei Maria da Penha, ainda há casos onde mulheres se calam e, inocentemente, são coniventes com o abuso praticado pelos companheiros. Conforme o advogado, é possível que a legislação proteja as mulheres mesmo nos casos em que a agressão física não tenha se consumado. “Não é apenas a integridade física da mulher, mas também a saúde mental. Nesse sentido, caso ocorrer perturbação psicológica e ameaças, por exemplo, a mulher já pode registrar junto Autoridade Policial e requerer medidas protetivas se for necessário”, orienta.


A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS) contabiliza 44.720 episódios de violência contra mulher, considerando o período entre janeiro e setembro de 2019. Sendo os casos divididos por classificação criminal, verifica-se que mais da metade das situações são de ameaça (27.653). Em todo ano de 2018 foram 37.623 situações deste tipo penal. Quanto aos feminicídios, em todo ano passado foram 117 registros, já neste ano, até setembro, haviam sido contabilizados 73 casos.


Os números consideram situações registradas junto a Brigada Militar, Polícia Civil e investigações que ainda estão em andamento.

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Na cidade de Carlos Barbosa, por exemplo, município com cerca de 29 mil habitantes no interior da Serra Gaúcha, neste ano, o número de registros de violência contra mulher aumentou significativamente quando comparados aos dados de 2018.


A análise dos dados estatísticos do Cartório Especializado da Mulher da Delegacia de Polícia da cidade, nos permite observar que, enquanto em todo o ano passado, foram registrados 126 casos enquanto neste ano as denúncias já contabilizam 130 boletins de ocorrência. Quanto ao feminicídio, neste ano foi registrado um caso, crime que desde a promulgação da Lei , em 2015, nunca havia sido verificado .


O aumento no número de registros, segundo a responsável pelo cartório da mulher, a policial civil Regiane Cavalli, pode ser interpretado de diferentes maneiras. A primeira, em razão da real ocorrência cada vez maior de casos, como também, pode ser fruto de uma tomada de consciência da mulher, que entende cada vez mais a necessidade de denunciar as agressões, sejam elas físicas, psicológicas, morais ou ainda relacionadas às questões patrimoniais.


É também neste sentido que a Polícia Civil, em parceria com o Conselho Municipal dos direitos da Mulher (COMDIM) tem desenvolvido, junto aos alunos do 6º ao 9º ano de todas as escolas do município, ações de conscientização sobre a violência doméstica com o projeto “Comdim vai à escola”. O movimento visa desenvolver ações de prevenção e de tomada de conhecimento, tanto em relação aos tipos de violência, como da necessidade de fazer a denúncia e ainda orientações sobre a existência de uma rede de atendimento, envolvendo diversos órgãos, que proporcionam às vítimas um acolhimento após a denúncia do fato.


A rede de proteção do município desenvolveu ainda, ao longo deste ano, um ciclo de palestras, aberto ao público, visando esclarecer questões relacionadas aos aspectos jurídicos da Lei Maria da Penha, bem como qual é a atuação de cada órgão de proteção, quando é feita a denúncia dos casos.


Regiane salienta a necessidade e importância da conscientização, como forma de fazer com que a mulher que se identifique como vítima de violência, tome uma atitude, assuma uma postura e acione os serviços públicos disponíveis. Visando assim uma mudança cada vez maior de comportamentos e mentalidades, que até pouco tempo eram tidos como aceitos, tanto da parte do agressor como da própria vítima.


A doméstica de 43 anos, que não quis se identificar, sentiu na pele o que é passar por isso. Viúva e mãe de 3 filhos, conheceu o agressor no ano de 2015. “No início do relacionamento ele era ótimo, atencioso comigo e com as crianças. Mas, com o tempo, começaram a aparecer as primeiras cenas de ciúmes e as agressões. Eu sofria calada essa violência física e psicológica”


A doméstica conta que o agressor a afastou de amigos e familiares, por isso, ninguém sabia o que estava se passando. “Minha relação com ele virou um círculo vicioso. Se ele estivesse mal, me agredia; se acordava bem, me pedia desculpas e dizia me amar. E assim fui levando essa situação por anos”, conta ela.


Hoje, já separada do marido agressor, busca superar a triste realidade decorrente dos traumas físicos e psicológicos, tentando levar a vida pessoal e profissional adiante. “Eu comecei a apanhar sem motivos, por usar um batom da cor que ele não gostava e até por cumprimentar as pessoas na rua”, relata. “Então, ficava arrumando desculpas para disfarçar a marca da sola do sapato no meu rosto, o meu braço fraturado e até mesmo o meu pé quebrado”, conclui. Atualmente a doméstica participa de grupos de apoio e se fortalece com o amor que recebe da família.


Entre as diversas entidades que formam a rede de atendimento à mulher vítima de violência, uma delas são as casas de passagem . O objetivo principal desse serviço é de acolher e de proteger as mulheres vítimas de violência, sendo levado tão a sério que o endereço da casa, que atende os municípios do Vale do Taquari, é mantido em absoluto segredo da maioria das pessoas. A preocupação da comissão de voluntários que se autodenomina de “Rede” é zelar pela integridade das mulheres e crianças, além de não expor as vítimas de violência. A Casa de Passagem é o local que oferece abrigo imediatamente após a mulher procurar auxílio nas Delegacias de Polícia. A estrutura reúne cômodos para pernoite, atendimento médico, alimentação e atendimento psicológico. Possuem convênio com a casa as seguintes cidades do vale: Lajeado, Cruzeiro do Sul, Estrela, Arroio do Meio, Teutônia, Capitão, Marques de Souza, Santa Clara do Sul e Forquetinha, municípios demandam um valor mensal, para que as mulheres residentes nestas cidades possam recorrer a Casa de Passagem ao serem vítimas de violência doméstica.


Uma das voluntárias e responsável pela existência da casa na região é a Delegada de Polícia aposentada Elisabete Cristina Barreto Muller. Atualmente, a ex-policial concilia as atribuições com o cargo de professora universitária. Conforme Elisabete, a grande missão é viabilizar financeiramente a sequência dos trabalhos na Casa de Passagem. “Estamos buscando mais municípios interessados em fazer parte deste convênio, já que restou comprovada a importância desta casa, diante do grande número de pessoas que foram atendidas. Por isso queremos que todas as cidades da região possa contar com este serviço”, explica.



Acolhimento 24 horas e proteção por tempo indeterminado


A relação entre a Casa de Passagem e as vítimas de violência inicia no momento em que a mulher registra boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia (DP). Caso ela não tenha um local seguro para ficar, sem que o agressor possa se aproximar, o local indicado é a Casa de Passagem. Há uma zeladora de plantão durante 24 horas. Ao chegar para o acolhimento, as vítimas recebem atendimento médico, alimentação, além de assistência psicológica. Conforme Elisabete, há casos em que algumas vítimas chegam em estado de pânico e precisam iniciar tratamento com medicação emergencialmente. “Algumas mulheres são reincidentes, passam pelo local mais que uma vez. Não estipulamos um prazo para que elas deixem a casa. A idéia é sair só quando estejam em segurança”, relata. Entretanto, após três episódios de agressões, a “Rede” aconselha que estas mulheres abandonem o relacionamento. O espaço físico permite que até 50 pessoas fiquem abrigadas na casa ao mesmo tempo.


Imprencindível, também é o serviço de assistencia psicológica que é prestado as vítimas de violência doméstica. Como é o caso dos psicólogos Bianca Luzzi Fiorentin e Sinandro Debona. Ambos atendem no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) na cidade de Encantado. Entre janeiro e setembro deste ano, a cidade contabilizou 99 mulheres que foram vítimas de violência de qualquer natureza.


Bianca elenca, pelo menos, 13 consequências diretas para o bem-estar físico e emocional da mulher quando ela é violentada. “São impactos na saúde física ou emocional que podem incorrer no uso abusivo de drogas e álcool, depressão, vergonha, ansiedade, culpas, distúrbios de alimentação e sono, síndrome do pânico, baixa auto-estima, autoflagelação, comportamento suicida e insegurança no comportamento sexual”, cita a psicóloga.


Uma das primeiras preocupações, quando as vítimas passam a receber auxílio dos profissionais da saúde, é a existência de filhos, especialmente em casos onde os menores assistiram ou também foram agredidos. Bianca garante que, “as crianças que presenciam a violência possuem probabilidades de sofrer depressão, transtorno de conduta, ansiedade e atrasos no desenvolvimento cognitivo”.

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