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As Marias do cárcere feminino

  • Universo Mulher
  • 9 de jan. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 15 de jan. de 2020

Por: Natália Richter


Imagem: Natália Richter

O projeto “Marias: Corpo e Linguagem na Instituição Prisional” iniciou em 2019 e já totaliza dois anos de trabalho no Presídio Estadual Feminino de Lajeado, buscando colorir a vida das mulheres que habitam o local com arte, dança e teatro. Segundo a professora e coordenadora do projeto, Silvane Fensterseifer Isse, o “Marias” surgiu a partir das ações do Eixo Linguagem e Corporeidade do Projeto de Extensão Veredas da Linguagem, desenvolvido pela Univates de 2016 a 2018, com mulheres que cumprem pena privativa de liberdade.

Semanalmente, em três sextas-feiras do mês, ela e seis voluntários de diferentes cursos da Universidade levam a essas mulheres práticas corporais e artísticas, como dança, jogos teatrais, música e fotografia. De acordo com Isse, o objetivo do projeto é humanizar o tempo de permanência das mulheres no presídio, sensibilizá-las e contribuir com o processo de ressocialização.

“Nós percebemos que as relações ali são difíceis. Além disso, muitas delas têm uma imagem de si mesmas de que não sabem, não conseguem ou não podem”, explica. O trabalho com experiências corporais e artísticas busca aproximar as mulheres e melhorar o contato e o diálogo, incentivando um processo de autodescoberta.

Ressocializar e potencializar

Silvane salienta que é difícil para uma mulher que já passou pelo presídio conseguir um trabalho e ser aceita socialmente, já que o desafio se encontra no retorno ao convívio familiar após a perda da liberdade. Dessa forma, o projeto é pensado para que essas mulheres consigam se potencializar enquanto ainda estão presas. “É uma maneira delas se olharem de outra forma, se reconhecerem em sua própria história de vida e verem as dificuldades como uma oportunidade de transformação”, esclarece. De acordo com Isse, uma grande questão do projeto é como a Universidade, enquanto produtora de conhecimento, se envolve na construção de oportunidades para essas mulheres. Ela vê o “Marias” como um grande potencializador, pois as participantes carregam muitas facetas, e quando estão lá dentro, por vezes, passam a ser reduzidas a mulheres que cometeram um delito.


Imagem: Natália Richter
"Eu acredito que o projeto ajuda com que o tempo de privação da liberdade seja um tempo em que a vida continua, porque muitas vezes as pessoas pensam que no presídio a vida para, mas não, ela segue e algumas dessas mulheres vão ficar muitos anos lá dentro. O Marias pode ajudá-las a serem tudo que elas são, para além do delito que cometeram" Silvane Isse, professora do projeto.

O projeto na prática

Para incentivar a arte e as práticas corporais é necessário também muito planejamento: a cada sexta-feira dois voluntários se responsabilizam pelas atividades realizadas pelo grupo. Na última semana de cada mês eles se reúnem para avaliar as atividades do mês, planejar e capacitar novos voluntários. As ações do projeto acontecem entre às 9h e 11h no pátio da casa prisional. Em dias de chuva, o trabalho é realizado no refeitório. As professora destaca que a participação é livre. De acordo com a professora, fazer parte do “Marias” e conhecer as histórias de cada uma dessas mulheres modifica o olhar sobre elas e sobre o próprio presídio. “A transformação é visível também nos nossos estudantes, que ficam mais sensíveis e mais amorosos com outras pessoas”, conta. Para eles, cada encontro é único e lindo. Cada abraço, agradecimento e sorriso mostra o valor do trabalho que realizam.


Atividades exercidas durante o projeto. Imagem: Natália Richter

A vida antes do cárcere

Alice* vive a dinâmica do cárcere há 12 anos e cumpre a décima condenação. Assim como a maioria das mulheres no presídio, sua entrada ocorreu por envolvimento com o tráfico.

O tempo na penitenciária, contudo, não apagou a alegria nos olhos de Alice, que mantém a extroversão mesmo nos momentos em que o silêncio pode se tornar esmagador do lado de dentro dos muros e paredes brancas.

“Ficar dentro de uma sala não é como estar em casa, mas quando tu se acostuma é como se fosse. Ali tu tem tuas as colegas, toma um chimarrão, conversa e compartilha coisas. É como uma família”, relata.

Ela é mãe de três filhas, mas não recebe suas visitas. Foi nas sextas-feiras, por meio do projeto “Marias”, que começou a projetar um novo futuro aqui fora, ao lado do companheiro e com o desejo de reencontrar as filhas.

“O projeto me modificou. Quero sair daqui e construir uma vida melhor. Não quero mais aquela vida de roubo e tráfico, no mundo do crime, mas sim compartilhar meu amor com a minha família”,

“Só queria que meus filhos viessem me visitar”

Diferente da animação de Alice, Carla apresenta olhar sério e voz baixa. Aos 44 anos, ela já cumpriu três dos seu 21 anos de condenação pela morte do marido. “Eu me arrependo do que fiz”, relata.

Os dias no presídio se tornam mais suportáveis na companhia dos livros, do trabalho e do estudo. Mas é no projeto da Univates que Carla encontra a fuga para os momentos difíceis.

Porém, nem as animadas sexta-feiras atenuam a saudade dos dois filhos, que não a visitam há quase um ano. “O que me deixa triste é não os ver. Só queria que meus filhos viessem me visitar”, desabafa.

Do outro lado

Rita de Cássia Antocheviz assumiu a direção da casa prisional feminina de Lajeado em abril de 2019, mas há 17 anos e meio trabalha na Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE). A maior parte do seu tempo de profissão trabalhou em presídios masculinos e destaca que cada um possui suas peculiaridades.

Quando recebeu o convite de vir para Lajeado viu na oportunidade um grande desafio. “Eu vim para cá porque gosto de desafios, e trabalhar com mulheres é muito difícil. A demanda é muito maior, pois geralmente elas ainda têm vínculos muito fortes lá fora, e não contam com o apoio do companheiro e dos filhos. A diferença é notável”, explica.

De acordo com Rita de Cássia, o tráfico de drogas é o crime mais praticado entre as mulheres. Ela menciona que, quando iniciou na carreira, a maior parte das mulheres assumia uma posição no trágico em decorrência da prisão dos companheiros. Hoje, contudo, o perfil mudou e muitas delas assumem liderança no crime, agindo por conta própria.

Segundo ela, o projeto desenvolvido pela Univates é muito importante para o presídio. “O Marias é quase único, porque dificilmente algum projeto continua por tanto tempo. Esse está aqui desde o início, e a gente percebe que elas participam e gostam muito”.

A diretora argumenta que o projeto inspira as mulheres e pode ajudar na ressocialização.Mas, mesmo acreditando na ressocialização, ela acrescenta que existe uma grande dificuldade para que isso, de fato, aconteça.

Rita de Cássia, diretora da penitenciária. Imagem: Natália Richter

“Aqui dentro elas têm uma boa assistência, mas e lá fora? A gente abre o portão para elas e, muitas vezes, falta um apoio afetivo, um apoio material, e o crime está lá, disponível e oferecendo o que elas precisam”, comenta.


Imagem: Natália Richter

*Os nomes das mulheres que cumprem pena privativa de liberdade citados na reportagem são fictícios, não revelando a identidade real das mesmas.


 
 
 

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